ATENÇÃO: Para entender melhor o texto, recomendo que assista ao filme antes de ler.
Para entender o quão é vasta de significados e rica em temáticas que aborda, podemos transportar, para o contexto histórico recente do Brasil, muitos dos conceitos apresentados no filme. Como a narrativa nos mostra, o personagem Charles Foster Kane (Orson Wellles) era detentor de grande parte dos veículos midiáticos. Podemos chamá-lo de um magnata da comunicação. O que o possibilitou ascensão social e política, chegando quase à presidência dos Estados Unidos.
Todos sabem, ou deveriam saber, que praticamente o mesmo já aconteceu aqui. Só para citar uma das muitas "proezas" da imprensa nacional, a Rede Globo e a revista Veja exerceram fortíssima e decisiva influência para eleger o ex-presidente da república Fernando Collor de Mello. Além disso, estes mesmos veículos de comunicação usaram de sua força e influência para derrubarem Collor, quando não acharam mais conveniente mantê-lo no poder. Como é sabido, tais campanhas midiáticas levaram ao processo de impeachment de Collor (tão mencionado e lembrado atualmente, agora, com Dilma Rousseff na pauta).
Prova de que, se torna verdade, aquilo que a imprensa oferecer como verdade. A realidade é diariamente construída nos telejornais e demais mídias jornalísticas. Quando um veículo tem uma opinião (e todos têm, pois todos são chefiados por seres humanos) ele vai propagar o lado da história que o favorecer. Se apenas um grupo mantém o poder da maioria dos veículos, a verdade é facilmente manipulada e tendenciosa. Jornalismo objetivo e imparcial só existe no papel.
Monopólios midiáticos têm o poder de veicular a mesma notícia, de formas diferentes, em veículos diferentes: Rádio, TV, jornal, revista e internet. O que cria a falsa imagem de credibilidade. Charles Kane conseguiu esta credibilidade de uma maneira que julgo ser a mais correta. Ele denunciava todos os corruptos, chefões, criminosos, isto é, se você fosse “rico, explorador e corrupto” você era o inimigo número um de Kane. O povo acreditava nele porque ele defendia os interesses dos menos favorecidos. E foi desta mesma forma que o jornalista conseguiu construir seu império e imagem pública.
Ao contrário de nossa realidade, onde as organizações Globo (e demais afiliadas e associadas), tem esse poder todo, não porque foram crescendo com o apoio popular, ou porque defendiam o interesse do povo. A Globo já nasceu grande, com acordões e concordatas feitas na época da ditadura*, com o mesmo tipo de pessoa ou entidade que Charles Kane combatia. Globo e Veja apoiaram o regime militar no Brasil. Um poder que calava, perseguia de maneira covarde e torturava seus contrários. Hoje se fazem de santas, afirmando serem as paladinas da moral.
Todavia, ambos continuam sendo veículos extremamente manipuladores e tendenciosos. Isso quando não inventam e/ou distorcem completamente certos fatos (coisa que a Revista Veja é escolada em fazer). Não por acaso, a revista é campeã entre os veículos jornalísticos mais processados no Brasil. Por difamação, calúnia, danos morais e por aí vai, ladeira abaixo. Na maioria das vezes a revista perde os processos, e arca financeiramente com isso. Mas se vender revista segue dando muito mais dinheiro, mesmo que repleta de mentiras, porque parar?
Apesar de já ser muito rico, Charles Kane abriu mão de muita coisa para ficar quase que só com seu pequeno jornal Inquirer. Charles tinha muito do tipo romântico, jornalista em extinção em nossos tempos. A vida toda o jornalista sempre lutou pelo o que acreditava e fazia absolutamente tudo baseado em sua própria ideologia. É verdade que isto lhe custou muito. Talvez a verdadeira felicidade possa ter existido apenas na infância de Kane, com seu nostálgico Rosebud.
Mas esta é a realidade enfrentada por praticamente todos os idealistas, ou pelos homens que vivem em razão de uma causa. Eles se sacrificam por ela. Kane, apesar de todo o seu poder e riqueza, abriu mão da felicidade para defender os interesses de quem não tinha como fazê-lo.
Qualquer um, e principalmente os jornalistas, se optarem por essa estrada poderão sofrer graves consequências: Processos, perseguições políticas e sociais, até mesmo ameaças e atentados contra a vida. Quantos profissionais vivem sob ameaça por atuarem fazendo reportagens investigativas, denunciando a corrupção e tantos outros ilícitos, falando o que muitos sabem, querem dizer, mas não tem coragem? Essa é uma realidade que quase ninguém vê.
Nome original: Citizen Kane
Diretor: Orson Welles
País de origem: Estados Unidos
Informações adicionais: Foi o primeiro longa-metragem a ser dirigido por Orson Welles. Antes, velho (e prestigiado) conhecido do teatro e das rádios canadenses. O diretor fez outros filmes depois de Cidadão Kane. Entretanto, Welles nunca mais conseguiu emplacar uma obra cinematográfica por grandes estúdios de Hollywood. O filme é considerado uma quase-cinebiografia de William Randolph Hearst. A obra marcou época pelas inovações que trouxe em técnicas narrativas e em enquadramentos cinematográficos. Além disso, também inovou em aspectos mais técnicos como, por exemplo, quando mostra, pela primeira vez no cinema, o teto dos ambientes cenográficos.
Premiações: No Oscar de 1942, Cidadão Kane foi indicado nas categorias: melhor ator (para Orson Welles), melhor direção de arte, melhor fotografia, melhor diretor, melhor montagem, melhor trilha sonora, melhor filme e melhor som. Mas acabou vencendo, apenas, na categoria de melhor roteiro original. Já no Prêmio NYFCC (New York Film Critics Circle Awards) de 1941, a obra foi premiada como o melhor filme daquele ano. Vale mencionar também, que Citizen Kane foi considerado, por grande parte da crítica especializada, como o maior filme da história até aquele presente momento. Figurando em primeiro lugar na lista do AFI (American Film Institute). Ademais, todas as listas, de melhores filmes de todos os tempos, que saem até hoje consideram sempre, Cidadão Kane, como um dos melhores filmes já feitos.
*Para saber mais sobre a comentada origem e os primeiros passos das Organizações Globo, assista ao documentário (Muito) Além do Cidadão Kane (Beyond Citizen Kane) produzido em 1993. Ele é facilmente encontrado, gratuitamente e na íntegra, na internet.
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