Louis Bloom (Jake Gyllenhaal) é um trambiqueiro da pior espécie. Inicialmente, faz pequenos roubos para vender por sucata. Devido sua índole, mais do que duvidosa, ele evolui para um cara que, a partir de cenas trágicas repletas de sangue e violência, tem seu ganha pão. A matéria-prima desse abutre é a carniça, mas a humana. Pessoas mortas, corpos recém desfalecidos, ainda quentes, são seu mais primoroso material que acaba virando notícia e enchendo de lixo sensacionalista a televisão das pessoas. Mais especificamente no Channel 6 KWLA, de Los Angeles, as imagens vão ao ar pelo intermédio da diretora de Tv Nina (Rene Russo). Nina e Lou, ao longo da história se tornam uma espécie de casal que desenvolve uma relação doentia. Nina é a diretora do telejornal KWLA News. Um telejornal no estilo do Cidade Alerta, Brasil Urgente ou Balanço Geral, mas elevado aos extremos.
Louis Bloom é a personificação humana de uma caricata criatura noturna: encurvado, frio, enigmático, obsessivo, manipulador, sórdido, bizarro. A própria magreza do personagem, seu cabelo escuro "lambido" para trás e que parece estar sempre úmido são também características que denotam sua monstruosidade. Gyllenhaal capricha na expressão facial, com seus olhos sempre atentos, um semblante melancólico, uma ansiedade por cativar e conquistar. Para Bloom, ética é uma questão de ponto de vista. Dotado de grande lábia, o chantagista de sorriso constante e falsamente simpático sabe se apropriar de conceitos, ideias e discursos para coagir as pessoas e atingir seus objetivos, egoístas e mesquinhos.
Lou é, certamente, um sádico, psicótico. Ele não atua efetivamente como um assassino, mas manipula situações que envolvem e causam a morte de pessoas. Ao passo que não demonstra sensibilidade alguma perante o sofrimento alheio. Uma pessoa que muda um corpo desfalecido na cena de um crime com o mesmo sentimento em que troca de lugar um móvel de sua casa. Esse é Louis Bloom, um psicopata em potencial. É inegável a capacidade que o ator tem de dar vida a personagens completamente diferentes. Muitos críticos consideraram Bloom como a sua melhor atuação. Realmente é uma interpretação memorável, com potencial de ser considerada como seu melhor desempenho até agora.
O filme é repleto de metáforas visuais. Bloom tem todas as características de um ser noturno, de uma criatura que espreita a morte e se beneficia dela. Uma cena que retrata ambas as coisas é quando Lou está sentado em cima de seu carro, esperando pela próxima tragédia a ser filmada. Da mesma forma como um abutre que aguarda sua próxima carcaça para beliscar. A fotografia do filme e a quantidade de tomadas noturnas também dão um clima propício àquele personagem, eu diria inóspito.
Dan Gilroy é um diretor que promete muito. Afinal, em sua primeira direção já nos entregou algo do calibre de O Abutre. Além de dirigir, foi ele quem roteirizou o longa. Gosto particularmente de filmes roteirizados e dirigidos pela mesma pessoa. É algo que torna o trabalho mais autoral, faz com que as partes se encaixem melhor, que cada peça na narrativa faça sentido. Trabalhos assim dificilmente deixam pontas soltas.
O Abutre é, por fim, um excelente filme. Muito bem filmado, dirigido, roteirizado, composto por boas atuações e bons diálogos. É narrado com uma frieza ímpar. Trata de questões muito humanas, faz críticas à sociedade, à mídia e ao jornalismo. Põe em debate muitas coisas, e sucinta muitas emoções. Mas ainda assim é um filme frio. Ele não nos emociona, mas nos faz sentir calafrios e deixa um nó na garganta. Não é uma obra que te toque ou te faça chorar. Mas ela cutuca seu senso de moral.
Quanto mais sangue, violência, grafismo, brutalidade, maior é a audiência. Quem é mais desumano: a mídia ou o público que ela serve? Foi a mídia que ensinou o público a gostar dessa podridão ou é apenas um produto entregue porque a demanda sempre existiu? Aprendemos a gostar da violência por causa dos telejornais sensacionalistas ou essa sede de sangue é algo intrínseco em nosso âmago? O Abutre não deixa uma lição de vida ou de moral, mas deixa muitas pulgas atrás da orelha.
Nome original: Nightcrawler
País de origem: Estados Unidos
Direção: Dan Gilroy
Informações adicionais: Este é o primeiro filme em que Dan Gilroy atua como diretor. Para atuar no longa, Jake Gyllenhaal teve de emagrecer bastante (não sei precisar ao certo quantos quilos ele perdeu, encontrei fontes dizendo que foram 9, outras 14, e até mesmo 20, o fato é que ele emagreceu bastante para atuar em O Abutre).
Principais premiações: Jake Gyllenhaal foi indicado ao Globo de Ouro por sua atuação e Dan Gilroy foi indicado ao Oscar pelo roteiro original. Além disso, o longa faturou o prêmio Independent Spirit (2015) de Melhor Primeiro Filme e de Melhor Roteiro. O Melhor Roteiro Original foi também premiado no Satellite Award (2015).
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é sempre bem-vindo. Mas, por favor, sem ofensas ou palavrões. Obrigado.