segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Interestelar (2014)


ATENÇÃO SPOILER ALERT: Esse post, como a maioria das minhas colunas, é destinado a quem já assistiu ao filme. Então se você ainda não viu Interestelar, prosseguir a partir daqui é por sua conta e risco.

Algumas pessoas certamente ficaram com a impressão de o filme ter dois finais. O que, de certa forma, é verdade. O próprio Jonathan Nolan confirmou que o primeiro final pensado para Interestelar seria trágico. Não, não é o que você está pensando. Você provavelmente pensou que o filme se encerraria com Cooper (Matthew McConaughey) preso no hipercubo. Ele morreria ali, mas não sem antes passar para Murphy (Jessica Chastain) as informações necessárias para completar a equação do Dr Brand (Michael Caine) e assim salvar a raça humana, correto? Engano seu.

Interestelar encerraria com um daqueles finais de cortar os pulsos. Jonathan que escreveu a primeira versão do roteiro havia idealizado um final diferente, isso na época em que o filme ainda seria dirigido por Spielberg. O longa terminaria em um final extremamente trágico: Cooper, na tentativa de enviar informações através do hipercubo, faria com que o buraco de minhoca entrasse em colapso. Ele morreria. Murphy não receberia as informações necessárias e a raça humana não seria salva. Ainda bem que Spielberg deixou a obra de lado e que o irmão de Jonathan, Christopher, se juntou ao projeto e remodelou, não só o final, mas todo o roteiro do longa.

Matthew McConaughey interpreta Cooper - um ex piloto de testes da Nasa

Um ponto muito positivo vai para a fotografia e os efeitos visuais do filme que são, ambos, incríveis. A trilha sonora é do Hans Zimmer e retrata uma antiga parceria entre ele e os Nolans. Zimmer foi quem compôs, por exemplo, as trilhas de A Origem e de toda a trilogia do Cavaleiro das Trevas. A trilha é um personagem do filme, ela está intrínseca ao roteiro e dá o tom dramático da narrativa. Emocionante, memorável, há tempos eu não via uma trilha sonora tão presente e tão marcante. Em muitos momentos a sonoridade lembra 2001: Uma odisseia no espaço. Aliás, há quem diga que Interestelar é uma "reformulação contemporânea" de 2001.

Óbvio que além da trilha, existem outras referências à obra de Stanley Kubrick, no entanto é um exagero dizer algo desse tipo. Até porque os filmes seguem linhas completamente diferentes e fica bem claro que não há tanta coisa em comum assim. Pelo menos não para considerar uma reformulação. Em 2001 HAL-9000 é o vilão da história, em Interestelar TARS é um grande auxiliar na salvação humana. Em 2001 se trabalha muito mais a essência humana, no sentido do mistério, em um sentido ontológico, individual. Já em Interestelar se trata de evolução enquanto raça humana, espírito de unidade, transcendência.

2001 é repleto de mistérios e muita coisa não fica clara nem é explicada, ou talvez nem faça sentido. Afinal, reza a lenda que o próprio Arthur C. Clarke, que escreveu 2001 juntamente com Kubrick afirmou que "se alguém conseguir entender completamente 2001, significa que falhamos". As propostas e pretensões são claramente distintas. Interestelar, como é de praxe nos filmes de Nolan, é extremamente didático, claro e preciso.


O filme traz, entre outras reflexões, a unidade da espécie humana enquanto raça. Eleva o altruísmo, o amor aos semelhantes. O que vale mais a autopreservação ou perpetuar a própria espécie? Cooper, o protagonista da história é altruísta, como todo herói. Aliás, um parêntese para falar de Matthew McConaughey, que brilha no papel. É incrível como esse ator deixou de ser um reles galã de comédias românticas e se tornou um profissional de capacidade e potencial imensos. É só ver o que ele faz, por exemplo, com o personagem Rust Cohle, na primeira temporada de True Detective. Para mim, Matthew é o melhor ator da atual fase do cinema norte-americano. Falando ainda de atuações, Jessica Chastain também merece muitos elogios. Ela se saiu muito bem no papel da Murphy adulta. Aliás, Jessica é uma baita atriz, é só ver seu histórico de indicações e premiações.

Mas, voltando ao aspecto filosófico do filme, analisemos, por exemplo, o Dr Mann (Matt Damon). Ele foi um dos cientistas que partiram, nas missões Lázaro (que eu penso, deviam se chamar missões Kamikaze) para os planetas possivelmente habitáveis. Mann estava entre "as pessoas mais corajosas da Terra". Disposto a sacrificar a vida tentando encontrar um novo lar para nossa espécie. No entanto, a solidão, a desesperança, o isolamento, a agonia e o medo, entre outras coisas, o levaram a falsificar dados e induzir sua própria salvação (momento "a humanidade que se f*d@"). Um personagem extremamente altruísta passa a exercer o maior dos egoísmos, põe seu bem-estar acima da vida de, possivelmente, todo um planeta. É, plausível, devido a diferença na passagem de tempo entre os planetas desbravados e a Terra, que quando alguém chegasse até ele, se alguém chegasse, seria a última possibilidade de salvação da espécie. A missão falhando, Mann voltaria à Terra para viver os anos derradeiros.

Muitos julgaram-no como um vilão da história (ele não é, o vilão é a poeira e o próprio tempo). O cientista não era mau, apenas havia enlouquecido devido à situação limite em que foi posto e modo como foi testado. Mas e você? Iria para uma missão suicida e aceitaria passivamente seu destino trágico, para possibilitar a salvação do mundo? Ou escolheria o mesmo que Mann, manipulando dados para se salvar e viver sua vida até o fim, mesmo que isso significasse, num futuro breve, a extinção da humanidade? Optar por deixar o mundo e a espécie se perder significaria abandonar todos os avanços que há milênios nossa raça vem alcançando, seria negar toda nossa história e botar a perder todo esforço que cada ser humano já fez neste mundo. Entretanto, este inconsciente coletivo seria capaz de nos mover a ponto de sacrificar a própria vida? A resposta para essa pergunta só descobrem aqueles que são testados ao limite.


Só tenho três críticas ao filme. A primeira é à personagem de Anne Hathaway, a Dra Brand que é muito pouco racional e emotiva por demais. Uma emoção, na maioria das vezes, prejudicial. Diria até que ela é imatura. Características estranhas para uma cientista do calibre dela. Minha segunda crítica é sobre a tentativa pífia, feita através da Dra Brand, de falar sobre o amor como algo quântico, dizer que "o amor é a única força que consegue transcender tempo e espaço". Já está subentendido no filme o tema amor em todas as suas formas: amor paternal, filial, fraternal, etc.

Se falássemos em psicologia, o amor é uma força capaz de transcender o Ego, ok. No entanto o filme trata de ciência. Não só disso é claro, mas basicamente é uma ficção científica. Me parece que, já que Interestelar não tinha um "casalzinho", como é clássico e regra para filmes de Hollywood, necessitou abordar forçosamente a temática amorosa de outro modo. Não precisa ter forçado essa barra.

E por fim, critico o pouco ou quase nulo mérito que é dado a Cooper pela salvação da humanidade. Murphy que resolveu a equação, e claro, se tornou uma cientista brilhante, acabou levando todo o crédito. Já Cooper, que comandou toda a missão espacial salvadora - sacrificando por conta disso toda uma vida ao lado de sua família - ; que salvou a dra Brand - naquele momento ao custo de sua própria vida -; o homem que, salvando a dra Brand possibilitou a chegada dos embriões até o novo planeta; e que enviou as informações para Murphy através do hipercubo; esse homem não mereceu ser homenageado nem ao menos com o nome de uma estação espacial. Ridículo.

Cooper viajando pelo hipercubo - um espaço criado pelos seres humanos penta dimensionais do futuro

Vi muitas críticas comparando Interestelar com Gravidade, filme de 2013, do diretor Alfonso Cuarón. Não vejo motivo para tal, pois, além de terem uma "aventura no espaço" como temática, os dois longas não têm absolutamente mais nada em comum. Sendo assim a comparação é descabida e desnecessária.

Vi também críticas sobre o aspecto tecnológico do filme, algo que não me incomodou nem um pouco por dois motivos: primeiro a tecnologia não é, nem de longe, tema relevante em Interestelar, segundo que a Terra e a NASA estavam completamente decadentes, não seria coerente com a narrativa a utilização de grandes tecnologias. A única atenção que o filme dá para a tecnologia são os robôs TARS e CASE que cumprem satisfatoriamente seu papel. Em alguns momentos eles roubam a cena, TARS principalmente.

Sobre a ciência de Interestelar: não sou nenhum especialista na área mas poderia gastar uns dois parágrafos rebatendo as críticas absurdas e infundadas feitas por muita gente ao aspecto científico do filme. Todavia, me limito a lembrar essas pessoas que o filme é uma "ficção" científica, e a deixá-los com um vídeo que não só prova meu posicionamento como explica tudo que você precisa saber e entender sobre a ciência de Interestelar.





Nome original: Interstellar

País de origem: Estados Unidos

Roteiro: Jonathan Nolan e Christopher Nolan

Direção: Christopher Nolan

Informações adicionais: Interestelar teve mais cenas rodadas em IMAX que qualquer um dos filmes anteriores de Christopher Nolan. Jonathan Nolan trabalhou por quatro anos no roteiro desse filme.

Os depoimentos mostrados no filme, que relatam a época em que a Terra estava coberta pela poeira, são reais. Explico. Na década de 1930 os Estados Unidos sofreram com uma praga muito semelhante a retratada no filme, a Dust Bowl. Aquelas pessoas, hoje idosas, na década de 30 testemunharam a ocorrência dessa praga. Aliás, elas são parte integrante do documentário The Dust Bowl (2012), dirigido por Ken Burns e produzido por Dayton Dancan.

A célula que daria origem a Interestelar nasceu em 2006. À época o filme, que ainda não tinha nome e nem roteiro, seria dirigido por Steven Spielberg. Jonathan Nolan foi chamado para escrever o roteiro e quando, em 2009, Spielberg moveu seu estúdio DreamWorks SKG da Paramount Pictures para a The Walt Disney Company o futuro longa ficou sem diretor. Foi aí que Jonathan sugeriu seu irmão Chistopher para a direção.

Principais premiações: Vencedor do Oscar de Melhores Efeitos Visuais. Na ocasião também fora indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Edição de Som, Melhor Mixagem de Som e Melhor Direção de Arte.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

O abutre (2014)

Jake Gyllenhaal interpreta o sádico Louis Bloom

Louis Bloom (Jake Gyllenhaal) é um trambiqueiro da pior espécie. Inicialmente, faz pequenos roubos para vender por sucata. Devido sua índole, mais do que duvidosa, ele evolui para um cara que, a partir de cenas trágicas repletas de sangue e violência, tem seu ganha pão. A matéria-prima desse abutre é a carniça, mas a humana. Pessoas mortas, corpos recém desfalecidos, ainda quentes, são seu mais primoroso material que acaba virando notícia e enchendo de lixo sensacionalista a televisão das pessoas. Mais especificamente no Channel 6 KWLA, de Los Angeles, as imagens vão ao ar pelo intermédio da diretora de Tv Nina (Rene Russo). Nina e Lou, ao longo da história se tornam uma espécie de casal que desenvolve uma relação doentia. Nina é a diretora do telejornal KWLA News. Um telejornal no estilo do Cidade Alerta, Brasil Urgente ou Balanço Geral, mas elevado aos extremos.

Louis Bloom é a personificação humana de uma caricata criatura noturna: encurvado, frio, enigmático, obsessivo, manipulador, sórdido, bizarro. A própria magreza do personagem, seu cabelo escuro "lambido" para trás e que parece estar sempre úmido são também características que denotam sua monstruosidade. Gyllenhaal capricha na expressão facial, com seus olhos sempre atentos, um semblante melancólico, uma ansiedade por cativar e conquistar. Para Bloom, ética é uma questão de ponto de vista. Dotado de grande lábia, o chantagista de sorriso constante e falsamente simpático sabe se apropriar de conceitos, ideias e discursos para coagir as pessoas e atingir seus objetivos, egoístas e mesquinhos.

Lou é, certamente, um sádico, psicótico. Ele não atua efetivamente como um assassino, mas manipula situações que envolvem e causam a morte de pessoas. Ao passo que não demonstra sensibilidade alguma perante o sofrimento alheio. Uma pessoa que muda um corpo desfalecido na cena de um crime com o mesmo sentimento em que troca de lugar um móvel de sua casa. Esse é Louis Bloom, um psicopata em potencial. É inegável a capacidade que o ator tem de dar vida a personagens completamente diferentes. Muitos críticos consideraram Bloom como a sua melhor atuação. Realmente é uma interpretação memorável, com potencial de ser considerada como seu melhor desempenho até agora.

Gyllenhaal encarna um câmera amador sem escrúpulos

O filme é repleto de metáforas visuais. Bloom tem todas as características de um ser noturno, de uma criatura que espreita a morte e se beneficia dela. Uma cena que retrata ambas as coisas é quando Lou está sentado em cima de seu carro, esperando pela próxima tragédia a ser filmada. Da mesma forma como um abutre que aguarda sua próxima carcaça para beliscar. A fotografia do filme e a quantidade de tomadas noturnas também dão um clima propício àquele personagem, eu diria inóspito.

Dan Gilroy é um diretor que promete muito. Afinal, em sua primeira direção já nos entregou algo do calibre de O Abutre. Além de dirigir, foi ele quem roteirizou o longa. Gosto particularmente de filmes roteirizados e dirigidos pela mesma pessoa. É algo que torna o trabalho mais autoral, faz com que as partes se encaixem melhor, que cada peça na narrativa faça sentido. Trabalhos assim dificilmente deixam pontas soltas.

O Abutre é, por fim, um excelente filme. Muito bem filmado, dirigido, roteirizado, composto por boas atuações e bons diálogos. É narrado com uma frieza ímpar. Trata de questões muito humanas, faz críticas à sociedade, à mídia e ao jornalismo. Põe em debate muitas coisas, e sucinta muitas emoções. Mas ainda assim é um filme frio. Ele não nos emociona, mas nos faz sentir calafrios e deixa um nó na garganta. Não é uma obra que te toque ou te faça chorar. Mas ela cutuca seu senso de moral.

Quanto mais sangue, violência, grafismo, brutalidade, maior é a audiência. Quem é mais desumano: a mídia ou o público que ela serve? Foi a mídia que ensinou o público a gostar dessa podridão ou é apenas um produto entregue porque a demanda sempre existiu? Aprendemos a gostar da violência por causa dos telejornais sensacionalistas ou essa sede de sangue é algo intrínseco em nosso âmago? O Abutre não deixa uma lição de vida ou de moral, mas deixa muitas pulgas atrás da orelha.

Cena metafórica em O Abutre

Nome original: Nightcrawler

País de origem: Estados Unidos

Direção: Dan Gilroy

Informações adicionais: Este é o primeiro filme em que Dan Gilroy atua como diretor. Para atuar no longa, Jake Gyllenhaal teve de emagrecer bastante (não sei precisar ao certo quantos quilos ele perdeu, encontrei fontes dizendo que foram 9, outras 14, e até mesmo 20, o fato é que ele emagreceu bastante para atuar em O Abutre).

Principais premiações: Jake Gyllenhaal foi indicado ao Globo de Ouro por sua atuação e Dan Gilroy foi indicado ao Oscar pelo roteiro original. Além disso, o longa faturou o prêmio Independent Spirit (2015) de Melhor Primeiro Filme e de Melhor Roteiro. O Melhor Roteiro Original foi também premiado no Satellite Award (2015).

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Não aceitamos devoluções (2013)


Não Aceitamos Devoluções conta a história de Valentin (Eugenio Derbez), um mexicano jovem e despreocupado que leva sua vida deitando-se com muitas mulheres, até que uma delas engravida e lhe bate a porta, inesperadamente, com um bebê. A mãe entrega a criança para Valentin e vai embora. Valentin até tenta devolver o bebê, mas Julie (Jessica Lindsey), a mãe da pequena garotinha abandona a filha nos braços do pai e parte sem deixar nenhum aviso de retorno. O solteirão festeiro se vê então em uma situação completamente nova: cuidar de um bebê, e criá-lo. Essa é a situação inicial do filme.

A trama se desenvolve num tom de muita leveza. Após o incidente, Valentin tem a ideia de partir para os Estados Unidos no intuito de tentar encontrar a mãe de sua filha Maggie (Loreto Peralta). Lá ele arranja um trabalho de dublê para sobreviver. Seu trabalho rende muitas situações engraçadas. Por ser um pai inexperiente e com um bom dinheiro Valentin dá a Maggie uma criação muito peculiar. Ele trata a filha muito bem e vive muitas aventuras temperadas pela imaginação de Maggie. Por exemplo, a casa deles é cheia de brinquedos, a alimentação dos dois não é nada saudável, Maggie quase sempre acompanha seu pai nas filmagens, a menina pouco vai a escola, e mais alguns fatores que tornam a infância de Maggie o sonho de consumo de qualquer criança.

O filme tem várias cenas e situações engraçadas. Por exemplo, logo no início se conhece como se deu a infância de Valentin. O pai dele queria criar um filho sem medo, e para isso expunha o garoto a todo tipo de situação assustadora, o que acabou criando um homem bastante medroso e traumatizado. Por ironia o único trabalho que Valentin consegue nos EUA é de dublê de cinema, uma profissão que requisita grande coragem a todo momento. Mas ao passar dos minutos a inocente e leve comédia mexicana vai pegando uma curva quase imperceptível ao drama. O filme então mostra realmente a que veio.

Valentin (Eugenio Derbez) e Maggie (Loreto Peralta) fazem uma dupla que garante boas risadas

ATENÇÃO: A partir daqui spoilers.

O retorno, sete anos depois, da mãe de Maggie coloca tensão na narrativa. Valentin se vê então em meio à uma briga judicial que acaba na descoberta de que ele não é o pai biológico de Maggie. Mas isso não o abate, ao esgotarem-se as possibilidades legais o homem pega a filha o foge de volta para o México. Um pai muito carinhoso e atencioso, mas inconsequente e que mima demais sua pequena filha. Essa é a impressão inicial que temos de Valentin. Mas então ficamos sabendo que a garota tem uma doença terminal e de repente se justificam todas as atitudes daquele pai de primeira viagem. O personagem de Valentin nos ensina que mesmo quando o destino já marcou as cartas é possível aproveitar inúmeros momentos felizes ao lado de quem se ama.

Algo bacana de se observar também é que Valentin justifica a ausência de Julie dizendo que ela é uma grande aventureira. Maggie cresce amando sua mãe e admirando-a, pois pensa que a mãe não pode estar com ela porque está viajando e salvando o mundo. O homem poderia ter contado a verdade sobre a mãe, mas ao invés disso, preferiu nutrir na filha o amor por sua mãe, ele entendeu que seria melhor nutrir um sentimento bom no coração de sua pequena garotinha, do que criar alguém repleto de rancor e amargura. Isso é altruísmo. E mesmo nas idas ao médico, Valentin sempre deixa sua filha pensar que quem está doente é ele, e que a menina só precisa ir junto porque ele é muito medroso.

Encerram-se aqui os spoilers.

Eugenio Derbez interpreta Valentin, um pai nada convencional

O superpai interpretado por Eugenio Derbez encarna o tipo de pessoa que ama incondicionalmente. Ele ensina que amar é tornar a vida do próximo um paraíso, mas ao mesmo tempo estar disposto para carregar sozinho um grande fardo. Nos faz refletir sobre nossas atitudes perante as dificuldades da vida. Mesmo que o nosso futuro seja incerto, ainda temos o hoje para viver e ser aproveitado, é possível ser feliz com pouco. E para quem tem boa-vontade e amor pela vida, esse pouco pode ser cultivado para se transformar na coisa mais preciosa que temos.

Uma coleção de risadas, um drama emocionante, uma lição de amor, carinho e compaixão. Um filme para pais e filhos, para a família, para qualquer ser humano que queira dar boas risadas e refletir sobre o que realmente importa na vida. Acima de tudo um filme para quem tem coração. Não Aceitamos Devoluções é inicialmente leve e despretensioso, porém, ao passar dos minutos a obra muda de tom e nos pega desprevenidos em situações tensas e por fim, tocantes. De antemão, aviso que as pessoas mais sensíveis estão propensas a derramarem litros de lágrimas ao final dessa belíssima história.


Não Aceitamos Devoluções é uma boa mistura de comédia e drama


Nome original: No Se Aceptan Devoluciones

País de origem: México

Direção: Eugenio Derbez

Informações adicionais: Eugenio Derbez que dirige o longa também é quem atua como protagonista do filme, encarnando o carismático e atrapalhado Valentín. O desempenho de Não Aceitamos Devoluções nos cinemas foi surpreendente. A obra ficou na quarta posição nos EUA, entre as maiores bilheterias de filmes estrangeiros em todos os tempos. O filme ficou atrás apenas de O Tigre e o DragãoA Vida é Bela e Herói.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Mandela: Longo caminho para a liberdade (2013)

Idris Elba interpreta Nelson Mandela

ATENÇÃO: Contém spoilers.

O longo caminho de Mandela é retratado, também, em um longo filme de quase duas horas e meia de duração que faz valer cada segundo. Esse filme, de certa forma, supera todos os filmes anteriores já feitos sobre a história de vida de Nelson Mandela. Um dos fatores que mais pesam para isso talvez seja o fato da narrativa contar praticamente toda a vida do ícone mundial e, claro, por ser baseado em sua obra autobiográfica. Mas não é por ser um filme baseado na obra que o próprio Mandela escreveu que este deixa de ser crítico à postura de Mandela para com a sua família: seu primeiro filho e sua primeira esposa.

Palmas para a produção por não transformar Mandela em uma figura platônica. Mas por retratarem um ser humano, repleto de falhas. Apesar de seu protagonismo na luta pelos direitos do povo negro, fica claro que o homem fora um péssimo pai, que arruinara seu primeiro casamento com traições. Enfim, um homem grandioso, com os defeitos que lhe são de direito.

Desde muito cedo Mandela fora criado em sua tribo com o propósito de servir a um bem maior. Estava nas bases de sua formação a filosofia de que sozinho ele não seria nada, mas unido a seus semelhantes poderia ser muito forte. Mandela tinha esse senso de obrigação de que deveria servir ao seu povo, e sua maior meta talvez fosse dar orgulho a sua família. Me fica bem claro, que todos os negros da África do Sul eram, para Mandela, sua família.

A maior parte da narrativa é pautada pela história do Apartheid. Uma política governamental de segregação racial. Política essa que considero uma das passagens mais vergonhosas da história humana. Fico enojado, sinto repulsa, ao tratar do assunto. Para mim é inconcebível que um governo, composto por seres humanos, tenha oficializado algo dessa natureza. O Apartheid foi a institucionalização da discriminação e do racismo em sua pior forma. Algo que devemos lembrar incansavelmente, para jamais esquecer do quão abominável o ser humano pode ser. É preciso se recordar para jamais permitir que coisas parecidas se repitam. 

Nelson Mandela (Idris Elba) e sua esposa Winnie (Naomie Harris)

A África do Sul vivia o Apartheid, um regime onde homens negros eram mortos a troco de nada. Assim como é retratado logo no início do filme, os negros eram espancados até a morte, por motivo nenhum eram detidos e torturados, muitas vezes levados a óbito. Não existia lei para quem tinha a pele mais escura. "A carne mais barata do mercado é a carne negra", já diria Elza Soares. Lamentavelmente, isso é algo que se repetiu por décadas.

No filme é contado o Massacre de Sharperville, em 1960, quando tropas do governo abriram fogo contra um protesto matando 69 negros. Entre eles mulheres e crianças, muitos atingidos pelas costas. Tudo em prol da tal "supremacia branca". Este episódio resultou na decisão de Mandela abandonar a resistência pacífica e partir para a luta armada. Se seguiram então pequenos atentados de sabotagem contra o governo. As ações eram efetivadas pela "Lança da Nação", o braço armado da ANC (Congresso Nacional Africano), o partido que Mandela integrava.

Desde o início Mandela sabia que não poderia dar a sua família o marido, o pai, o ente querido que eles precisavam. Lutar pelos direitos do povo negro lhe custou muito caro: 27 anos preso em um regime fechado e totalmente separado de qualquer contato físico. Isso retirou dele a oportunidade de ver seus filhos crescerem, nesse meio tempo, o seu primeiro filho, do primeiro casamento, faleceu. No período em que esteve preso, a mãe de Mandela também morreu. Assim como não pode se despedir de seu filho e de sua mãe, Mandela não viu sua filha crescer. A prisão onde ele ficou detido não permitia a entrada de menores de 16 anos. A última lembrança que ele tinha da menina era de quando ela tinha apenas 3 anos, quando ele finalmente pode voltar a revê-la, ela já era uma moça feita. 

Mandela (Idris Elba) em discurso pelos direitos do povo negro

Apesar de tudo pelo que passou, Mandela não se deixou amargurar, não foi tomado pelo ódio, e foi isso que manteve sua integridade e seu caráter inabaláveis. O mesmo pode se dizer da sua ideologia e da sua fé no povo negro. Pelo contrário, a esposa Winnie não conseguiu suportar do mesmo modo que ele, e se deixou dominar pelo ódio, pela raiva, pela vingança. Isso a destruiu por dentro, destruiu seus laços de afeto com Mandela. Winnie passou a militar de forma incisiva, hostil e muito violenta. Ela, com certeza, contribuiu muito para a eclosão de uma guerra civil na África do Sul. Winnie chegou ao ponto de até mesmo mandar assassinarem alguns negros que não eram a favor de sua causa. A força motriz de Winnie era o ódio, já a de Mandela era a esperança.

Mandela: Longo Caminho para a liberdade é um grande filme. Não tanto por seus próprios méritos, porém mais pela história retratada. Também, o modo como retratam essa história é que conta. Há de se registrar que o filme é bem consistente, com boas atuações, principalmente a de Idris Elba que interpreta o Mandela. A trilha sonora também é muito boa, emocionante. A tensão estabelecida durante toda a narrativa, a fotografia são todos elementos bem realizados. Nada que salte aos olhos, mas o filme cumpre o seu papel. Um grande ponto positivo é que o diretor conseguiu manter o filme interessante e atrativo não permitindo que o espectador se distraia. Apesar de suas duas horas e vinte e um minutos, Mandela: Longo Caminho para a liberdade não é daqueles filmes que nos dão sono.

Nelson Mandela foi um homem dedicado, incondicionalmente, à sua causa. Para tal sacrificou relacionamentos, família e boa parte da própria vida. Pagou o preço por lutar pelo que julgava ser o justo. Quase foi sentenciado a morte, junto de seus companheiros de ANC. Acabaram, ele e seus companheiros, passando 27 anos na prisão, em uma ilha, realizando trabalho duro em uma pedreira. Entretanto, graças a luta destes homens, milhares puderam desfrutar de uma vida melhor, um pouco mais justa. Mandela é uma daquelas personalidades que ficam marcadas para sempre na história da raça humana. É um personagem que seguirá inspirando milhares de pessoas por décadas. Seus feitos são memoráveis, e ecoarão por muitos anos ainda, em todas as partes do mundo.

"Mas, se necessário for, é um ideal pelo qual estou disposto a morrer." Nelson Mandela.

Nome original: Mandela - Long walk to freedom

País de origem: Estados Unidos

Direção: Justin Chadwick

Informações adicionais: O filme é baseado no livro autobiográfico de Nelson Mandela: Long Walk To Freedom, lançado em 1994. O filme foi lançado (28 de novembro de 2013) na África do Sul exatamente uma semana antes do falecimento de Mandela (05 de dezembro de 2013). Já em Londres, por exemplo, o lançamento coincidiu com o dia do falecimento do ícone mundial.

Principais premiações: O filme teve três indicações ao Globo de Ouro, incluindo Melhor Ator, para Idris Elba.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Capitão Phillips (2013)


ATENÇÃO: Contém spoilers

De indiscutível qualidade técnica, Capitão Phillips, traz Tom Hanks em sua melhor performance desde Náufrago (2000). O ator amador Barkhad Abdi, que interpreta o pirata somali Abduwali Muse, apesar da inexperiência também se destaca pela qualidade de sua atuação. O filme conta, além de boas atuações, com uma direção, roteiro, produção e fotografia dignos de aplausos. A comovente atuação de Tom Hanks significou para muitos críticos como o seu "retorno" aos dias de glória. O ator, que já levou dois Oscars de Melhor Ator, nos últimos anos não vinha se destacando muito em seus papéis.

Podemos perceber o "retorno" de Hanks, principalmente, nos momentos finais do filme. A partir do sequestro do capitão Richard Phillips, o personagem de Hanks tem pouquíssimas falas. O show fica por conta apenas de suas expressões e da linguagem corporal. E o fim, bem, o que dizer daquela cena final em que Phillips desaba ao ser atendido pela paramédica, logo após ser resgatado pelos Seals. É impossível não se compadecer pelo personagem. Conseguimos entender o drama que o capitão passa sem que ele precise nos dizer isso. E mesmo que ele tivesse mais falas, elas não seriam suficientes e não conseguiriam transmitir os mesmos sentimentos. Ou ainda, como não achar magnífica a interpretação de Hanks, na cena em que os três piratas são executados. Além disso, o ator, ao longo de todo o filme não decepcionou. É certo que os momentos finais foram os mais brilhantes, entretanto, durante toda a interação com os piratas, e até mesmo nos momentos que antecedem a subida deles ao navio, Hanks consegue transmitir, ao mesmo tempo, calma e tensão. Muitas vezes apenas com as expressões em sua face.

Piratas somalis prontos para invadir o Maersk Alabama

O filme é repleto de cenas tensas, que nos deixam aflitos. Capitão Phillips é daquelas obras que nos fazem ficar duas horas segurando a respiração. E apesar de contar com mais de duas horas de duração a película não é cansativa. Muitos filmes longos acabam, em certo ponto da narrativa, acabam se tornando arrastados e maçantes. Capitão Phillips mantém o espectador acordado e concentrado do início ao fim. Mérito para a produção ao retratar as reais motivações dos piratas somalis. Pescadores sem opções acabam sendo explorados e obrigados a praticarem a pirataria, por ordem e imposição de criminosos muito piores. É como diz Muse (Barkhad Abdi) em um dado momento da narrativa: quando Phillips, em conversa com o líder somali, menciona que há outras saídas, que não ser pescador ou assaltar navios. Como resposta, Muse afirma que “talvez nos Estados Unidos da América” haja, mas não na Somália.

Até mesmo a pescaria é um modo muito difícil de sobrevivência na Somália, um país degenerado pela Guerra Civil, desde 1991. Como Muse também fala no filme, fica impossível para os pescadores locais competirem com cargueiros internacionais. Desta forma, o país que contém a maior costa da África, degenerado pela guerra e com pouquíssimos caminhos para seus habitantes, acabou se tornando local de espoliação marítima estrangeira.


Tom Hanks em sua melhor atuação desde Náufrago (2000) 

Filmes que se baseiam em fatos reais sempre nos afetam, e nos fazem questionar se os fatos realmente aconteceram do modo retratado nas telas. Segundo informações encontradas na internet, o verdadeiro capitão Phillips não agiu de forma tão calma e honesta como o personagem interpretado por Tom Hanks. De acordo com membros daquela tripulação, o verdadeiro Phillips era inconsequente, egocêntrico, autoritário e egoísta. Porém, todos sabemos que é sempre preciso romancear mais os fatos, tudo em favor da qualidade cinematográfica.

No desenrolar do clímax testemunhamos a execução de três somalis em favor da vida de um norte-americano. Claro que na situação estabelecida não restavam muitas opções para salvar a vida de um inocente sequestrado por três, ali configurados, criminosos. Todavia, é possível refletirmos sobre o abismo social que existe entre os dois países. E o porquê de uma vida humana valer mais que outras três. Quem tem mais direito a vida? Um habitante de um país com poder esmagador tal qual os Estados Unidos, ou três pessoas advindas de uma região completamente dominada pela pobreza e pela miséria. Os fins nunca justificam os meios. Mas essa realidade, complexa e controversa não é uma simples romantização retratada nas telas do cinema. Situações como essas são cotidianas e bem reais.

Capitão Phillips, no geral, não conta com muitos cenários. A trama se desenvolve em torno das emoções representadas. A tensão e o medo predominam. A agonia claustrofóbica vivida por Richard Phillips, fazem de Capitão Phillips uma experiência de sensações, em sua maioria, angustiantes e tensas. Fazendo com que o espectador se entregue facilmente a emoção deste belo filme.


Tom Hanks e o verdadeiro capitão Richard Phillips

Nome original: Captain Phillips

Diretor: Paul Greengrass

País de origem: Estados Unidos

Informações adicionais: O filme é baseado na história real de Richard Phillips, capitão do navio cargueiro Maersk Alabama, que foi mantido refém por piratas somalis durante cinco dias em abril de 2009. Nenhum dos atores que interpreta os piratas somalis era, originalmente, um profissional do ramo. A equipe de produção fez questão de recrutar somalis verdadeiros, que falassem tanto o inglês quanto o idioma da Somália. A paramédica que aparece, ao final do filme, tratando de Phillips, após ele ser resgatado da baleeira, também não é atriz por profissão. No filme ela interpreta o papel que desempenha na vida real, cuidando da saúde das tripulações com as quais navega.

Argo (2012)


A internet tem a capacidade, muitas vezes, de emburrecer e fazer aflorar o que há de pior nas pessoas. Assim nascem os haters. Um grupo considerável destes seres abomináveis vêm, desde muito tempo, difamando Ben Affleck pela sua atuação (que ainda nem aconteceu) como Batman. Argo esta aí para provar o contrário. Ator, diretor e produtor. Affleck prova com este filme que sabe jogar em todas as posições, e que atua em todas elas muito bem, obrigado. Ele mostra sua capacidade e conhecimento cinematográfico nos trazendo uma obra completa. O filme não deixa a desejar em nenhum aspecto. 

Sabe aquelas manias da indústria, com as quais já estamos acostumados e que são, praticamente inevitáveis, em Hollywood? Pois então, elas não estão presentes neste filme. Desta vez, os americanos não são retratados como os pacificadores salvadores do mundo, libertadores de povos que vivem sob regimes totalitários. O diretor encontrou uma forma de fugir do clichê. O que é sempre bom. A direção é corajosa ao mostrar a infelicidade das intervenções americanas. E como elas levaram ao desastroso contexto político do Irã. Situação que permitiu a ascensão do Aiatolá Khomeini ao poder.


Argo foi sucesso de crítica e de público. Tendo gasto cerca de 44,5 milhões de dólares, o filme conseguiu arrecadar pouco mais de 232 milhões. Apesar de conter imprecisões históricas, o mérito do diretor Affleck e de toda a equipe de produção está em fazer uma trama bem realista. Afinal, fazer um filme repleto de perseguições, tiros e explosões é relativamente fácil. Entretanto, para fazer um cinema que capte a atenção do público sem estes artifícios é preciso muito mais qualidade. Argo é um filme político, sério, baseado em fatos reais, quase trágicos. Mas muito engraçado. Vale fazer aqui uma menção honrosa para o núcleo mais light do filme. O alívio cômico, que vem com o especialista em maquiagem de cinema John Chambers (John Goodman) e com o ator Lester Siegel (Alan Arkin), proporciona ótimos momentos.

Não só com estes personagens, mas as interações de Tony Mendez, principalmente com seu chefe Jack O’Donell (Bryan Cranston) também rendem momentos engraçados. Todavia, Affleck acerta a mão como diretor incluindo pitadas de humor em seu filme, mas na medida certa. Ele sempre coloca um momento de tensão logo a frente para nos lembrar de que não estamos vendo uma comédia. Além do mais, o filme não exagera nos momentos cômicos. O mérito do diretor vem ainda com a crítica e a forma de caçoar, mesmo que bem de leve, da própria indústria cinematográfica. PS.: Joss Whedon devia pegar umas aulas de direção com Affleck, para melhorar o próximo The Avengers. Talvez assim ele aprenda a fazer um filme sério e balanceá-lo corretamente com momentos engraçados.


Como não poderia deixar de ser, o filme não é totalmente fiel à verdadeira história. O papel da embaixada canadense no resgate dos diplomatas americanos, por exemplo, foi bastante minimizado. Também a história de que os norte-americanos teriam sido rejeitados pelas embaixadas britânica e da Nova Zelândia. Isso não aconteceu. Além disso, o perigo que o grupo passara no aeroporto de Teerã e nas demais localidades fora retratado de forma exacerbada nas telas. Entretanto, todas as alterações são perfeitamente aceitáveis e cabíveis. São artifícios necessários para dramatizar a história e tornar a trama mais interessante aos olhos do espectador. O importante é que a essência daquilo que aconteceu foi mantida. E as situações de tensão, ou ainda, como se sentiram as pessoas envolvidas no incidente, todos estes aspectos foram transmitidos. 

Muitas vezes, em cinema, é preciso exagerar um pouco para conseguir sensibilizar o público. Ver uma pessoa morrendo em um filme obviamente não é a mesma coisa que ver uma pessoa morrendo no noticiário, não é mesmo? Pois então, nas telas é preciso dramatizar as situações um pouco mais do que da forma como elas realmente aconteceram. Deste modo, consegue-se sensibilizar o espectador e aproximá-lo da narrativa, fazê-lo se importar com os personagens. Basicamente, são metáforas cinematográficas. Exageros necessários. Mentiras que contam a verdade. 

Argo fuck yourself!


Nome original: Argo

Direção: Ben Affleck

País de origem: Estados Unidos

Informações adicionais: O filme é uma adaptação do livro The Master of Disguise escrito pelo próprio agente Tony Mendez, integrante da CIA. Argo tomou como base, também, o artigo The Great Escape do autor Joshuah Bearman, publicado na Revista Wired em 2007. Ben Affleck além de estrelar e dirigir o filme também o produziu, contando com a parceria de George Clooney na produção. A história do resgate de seis diplomatas no Teerã, narrado no filme, já havia sido contada em um telefilme de 1981: Escape From Iran: The Canadian Caper do diretor Lamont Johnson.

Premiações: O filme teve grande reconhecimento mundo afora, tendo recebido muitas indicações e premiações, foi sucesso de crítica e de bilheteria, porém, vou citar aqui apenas os prêmios principais. Argo teve sete indicações ao Oscar de 2013 e levou três estatuetas: Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Edição e Melhor Filme. Já no Globo de Ouro o filme foi indicado a cinco prêmios, sendo vencedor em dois: Melhor Filme – Drama e Melhor Diretor. Contando ainda com uma nomeação de Melhor Ator Coadjuvante em Cinema para Alan Arkin. Em outra premiação, British Academy Film Awards, Argo levou a melhor nas categorias de Melhor Filme, Melhor Edição e Melhor Diretor.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Lincoln (2012)


Lincoln, definitivamente, não é um filme para todos. Com mais de duas horas de duração, uma narrativa lenta e arrastada, acrescido do tema denso e complexo, o filme é para quem realmente gosta de cinema ou de história. Sobretudo a história norte-americana e o cinema desprendido de fórmulas prontas. Abraham Lincoln é interpretado por Daniel Day-Lewis. O ator encarna de forma impecável o cultuado presidente americano. Óbvio que a caracterização do ator e a maquiagem, ajudam muito Abraham tomar vida diante das telas. Mas a atuação de Lewis é que merece o maior crédito. 

A cultura do Herói Americano é um grande clichê que vem sendo implantado por décadas em Hollywood e através de tantos outros meios. Com o ex-presidente não foi diferente. Um ser mítico e dotado de superpoderes, por vezes, é esta a visão que a terra do Tio Sam tenta nos passar de Lincoln. E era isso que eu esperava ver no filme de 2012. Quão grata não foi a minha surpresa ao ver um Abraham humano. Repleto de defeitos, imperfeito, acertando muitas vezes, e errando em muitas outras. Um mestre na vida política, um derrotado na vida pessoal. Acima de tudo, humano.

Incrível semelhança entre Daniel Day-Lewis (E) e o verdadeiro Lincoln (D)

Na vida pública Lincoln era amado pelo povo e temido pelos opositores. Diria um revolucionário. Os olhos do mundo se voltaram para os EUA quando foi abolida a escravidão. A partir dali muitos países passaram a fazer o mesmo. É certo que nada disso teria acontecido se não fosse pela determinação e habilidade política de Lincoln. O filme nos mostra, mais uma vez, que até mesmo aqueles grandes nomes da política, os que ficam para a história como maiores benfeitores da sociedade, até mesmo estes, utilizam-se de práticas escusas em suas estratégias políticas. Abraham Lincoln, para conseguir aprovar a 13ª Emenda, teve de subornar, com cargos e outros favores, boa parte do partido Democrata. Uma briga que deteriorou muito sua saúde e lhe causou grande desgaste, acabou em vitória. Lincoln conseguiu, aprovando a 13ª emenda à Constituição, não só abolir a escravidão nos Estados Unidos, mas também acabou com a guerra civil.

É bem verdade que os meios para atingir esses objetivos não foram de todo legais e honestos. Porém, se não fosse assim, a escravidão seria prolongada por quem sabe mais quantos anos ou décadas. É triste, entretanto o sistema político é podre. Nos Estados Unidos, no Brasil e em qualquer parte do mundo. O que podem fazer os políticos ditos honestos é, muitas vezes, tomar atitudes como a de Lincoln. Usar uma artimanha política para conseguir um bem maior. A diferença é que, no caso do ex-presidente norte-americano, ele não buscou beneficiar-se, nem beneficiar nenhum membro de sua família ou amigo. Ele fez o que fez apenas em busca do bem-estar da nação e, principalmente, do povo negro.


O homem que encantava e entorpecia multidões com seus discursos não tinha a mesma habilidade para com a sua família. Lincoln tinha uma relação muito conturbada com sua problemática esposa, Mary Todd Lincoln (Sally Field) e não conseguia refrear os ímpetos do filho mais velho Robert Todd Lincoln (Joseph Gordon-Levitt). Filho esse que insistia fervorosamente em servir ao exército para lutar na guerra civil americana. Em termos de história não sei o quanto do narrado no filme é verdadeiro e o quanto é apenas licença poética ou o tanto da dramatização que é necessária para dar vida a uma obra cinematográfica. Entretanto, Lincoln constrói uma história bem passível de ser verdadeira e que é, como já mencionado, humana. Os bons filmes, como eu não canso de dizer, são aqueles que nos fazem se identificar com a narrativa e com os personagens. E nisto, essa obra, que eu chamo de “humanização” da figura pública e da pessoa de Abraham Lincoln, acertou em cheio.


Nome original: Lincoln

Direção: Steven Spielberg

País de origem: Estados Unidos

Informações adicionais: O filme é baseado, principalmente, no livro biográfico Team Of Rivals: The Political Genius of Abraham Lincoln, de autoria da escritora Doris Kearns Goodwin.

Premiações: Em 2012, Lincoln foi indicado para sete Globos de Ouro, incluindo Melhor Filme – Drama e Melhor Diretor. Na ocasião, Daniel Day-Lewis venceu na categoria de Melhor Ator (Filme - Drama). Já em 2013, no Oscar, o filme foi indicado em 12 categorias, incluindo a de Melhor Filme. Na época, Lincoln levou os prêmios de Melhor Direção de Arte e Melhor Ator para Daniel Day-Lewis.

A vila (2004)


ATENÇÃO: Contém spoilers.

Assistir A Vila é fazer um mergulho no século XIX. O suspense de M. Night Shyamalan, mostra até que ponto as pessoas são capazes de chegar para proteger determinado modo de vida. As atitudes, que beiram a loucura, questionam os motivos que levam certos indivíduos buscarem isolar-se do resto do mundo. O diretor consegue fazer com o filme algo que vi pouquíssimas vezes: três pontos de virada. O primeiro ocorre quando descobrimos que as criaturas são, na verdade, uma invenção. O segundo, quando voltamos a acreditar na existência delas, dessa vez, com mais força, com mais medo. E o terceiro ponto de virada ocorre ao sabermos, novamente, que sim, as criaturas não são reais. Existem milhares de filmes muito bons. Alguns deles usam o artifício do plot twist, ou ponto de virada, para tornarem a trama muito mais interessante. Todavia, M. Night soube utilizar este artifício cinematográfico, em A Vila, de forma magistral.

A direção de elenco acertou em cheio ao escolher Bryce Dallas Howard para interpretar a deficiente visual Ivy Walker. Inicialmente, as criaturas nos trazem um certo medo. Mas o verdadeiro pavor só é sentido quando nos colocamos na pele de Ivy. Uma pessoa cega, na solidão e no escuro da floresta. Em mata densa, Ivy se vê tendo que enfrentar os monstros que supostamente habitavam aquela região. É sabido que sentimos um medo bem maior quando não sabemos a aparência de nossos temores. Os filmes mais assustadores são, em sua maioria, aqueles que não mostram o “monstro”. Só a imaginação de cada um é capaz de produzir aquilo que lhe causa mais medo. Determinadas criaturas acabam, inevitavelmente, assustando algumas pessoas. Mas outras talvez nem tanto.


Só que agora o caro leitor deve estar se perguntando: “Ok, mas no filme as criaturas são mostradas! ” Sim, isso é verdade. São mostradas para nós, mas não para a protagonista Ivy. O fato é que o filme consegue nos colocar no lugar dela. Sentimos o que Ivy sente. Toda a construção das cenas. A história da trama, e, principalmente, a belíssima atuação de Bryce, nos coloca no lugar da personagem. Por um momento é possível sentir um pouco do temor que é viver como uma pessoa cega. Um pouco do temor do que é estar sozinho. Indefeso. Sentimos o peso da responsabilidade que seria ter de enfrentar o mais abominável mal, para salvar a vida de quem amamos. Ivy nos faz sentir compaixão. Colocar-se no lugar do outro.

No filme, a idealização da vila se deveu ao fato dos traumas sofridos pelo grupo dos anciões. Eles fundaram aquela comunidade, e seus ideais, baseados no medo. Medo de verem novamente seus entes queridos morrerem, medo de não suportarem mais perdas tão devastadoras. Devido a isso, pagaram preços altíssimos. Afinal de contas permitiam, assim como nos foi mostrado no início da narrativa, seus próprios filhos morrerem. Tudo só para não deixar aquela comunidade ruir.

O ato de se isolar do resto do mundo, para evitar mais sofrimento, por fim, era o que causava este mesmo sofrimento. Qual a diferença entre perder um ente querido devido a um assassinato ou perdê-lo devido a uma doença? Doença essa que poderia ser tratada. A diferença é que, evitar a morte de alguém que é assassinado é quase impossível. Mas se os membros da vila vivessem em sociedade, poderiam ter acesso a remédios, e poderiam salvar quem morria por causa de doenças, por exemplo. A fuga da dor, acaba sempre nos causando mais dor.


Eu sempre digo que o maior mérito de um bom filme não mora em seus efeitos especiais, grandes locações, cenas plásticas, ou bilhões investidos em produção. O que realmente caracteriza uma obra de arte cinematográfica é a capacidade que ela tem de nos ensinar. Ensinar a sermos melhores. Nos fazer pensar, refletir. Sobre o assunto que for. O bom cinema é aquele que consegue nos sensibilizar. Não busco afirmar que todo filme deve ser uma lição de vida. Mas sim, que ele precisa fazer o público se identificar com ele. Precisa fazer o espectador sentir compaixão. Sorrir junto com ele, ter medo, chorar junto. Bons personagens, e uma trama bem construída são o que caracterizam um bom filme.

A Vila tem estes ótimos personagens, uma protagonista apaixonante e encantadora. Além disso, possui uma trama que nos faz questionar até que ponto somos capazes de chegar para fazer valer nossas convicções. Assistir A Vila é um modo de perceber que fugir do medo, fugir da dor e dos problemas é um ato covarde. Que não traz bem algum. Viver em sociedade é um ato desafiador, por vezes, perigoso. Mas somos, naturalmente, e biologicamente, seres sociáveis. É preciso aprender a coabitar com o seu semelhante. E ter a coragem de enfrentar seus problemas e seus próprios medos de cara limpa. A Vila, com certeza, é daqueles filmes que valem a pena a gente reassistir.

Nome original: The Village

Diretor: M. Night Shyamalan

País de origem: EUA

Informações adicionais: A bengala utilizada pela personagem Ivy Walker (Bryce Dallas Howard) no filme, foi confeccionada pelo próprio Joaquin Phoenix. Que interpreta o personagem Lucius Hunt.

Premiações: Indicado ao Oscar de Melhor Trilha Sonora.